Seminário Revoga NEM defende autonomia escolar e currículo horizontal

Por Coryntho Baldez

Com a presença de mais de 170 pessoas, o Seminário Revoga NEM lotou o auditório Pangea/IGEO, no Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN) da UFRJ, na Cidade Universitária, em 8 de agosto.

O encontro promoveu um fértil debate em seis grupos temáticos, que resultou na formulação de princípios e diretrizes considerados basilares para uma política pública alternativa à Reforma do Ensino Médio (lei 13.545/17).

Na plenária final, dirigida pela coordenadora do Complexo de Formação de Professores (CFP), Carmen Gabriel, além da revogação plena e imediata do NEM, inúmeras propostas foram aprovadas por aclamação (em breve, publicaremos o documento final do encontro).

Entre elas, a defesa de uma perspectiva de currículo horizontal, interdisciplinar e integrado, com respeito às singularidades dos conhecimentos e práticas das disciplinas, e a disponibilidade de tempo para a formação continuada e a troca de experiências e saberes entre os professores.

Como consequência da reorganização do currículo, os participantes do seminário apontaram a necessidade de o poder público oferecer às escolas uma infraestrutura adequada e auxílio em transporte e alimentação aos estudantes para que possam ter condições de permanência.

Outro consenso foi a defesa de políticas que incentivem a autonomia escolar e oponha o interesse público à mercantilização da educação, expressa em compras de produtos e serviços educacionais de empresas privadas, como apostilas e softwares de ensino.

Organizado pelo GT do Ensino Médio da UFRJ, com ativa participação do CFP, e conduzido pelo assessor da PR-1 e membro do Complexo, Joaquim da Silva, o seminário contou com a presença de professores e estudantes da educação básica, licenciandos, coordenadores e docentes de cursos de licenciatura, além de lideranças de entidades profissionais, movimentos sociais e associações científicas.

A mesa de abertura foi formada por Cássia Turci, vice-reitora; Maria Fernanda, pró-reitora de Graduação; Maria Coelho, do Colégio de Aplicação (CAp/UFRJ); Viviane Bonifácio, da rede pública estadual; Giselle Roças, do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFF); Demerval Freitas, do Sepe (Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do Rio de Janeiro); e Jéssica Anunciação, representante dos estudantes do Ensino Médio.

Ver aqui a cerimônia completa de abertura.

Da esq. / dir: Jéssica Anunciação; Giselle Roças; Viviane Bonifácio; Maria Coelho; Cássia Turci; Maria Fernanda; e Dermeval Marins.

“O momento é de escuta e ampliação da luta”

Primeira a falar, Maria Coelho saudou a iniciativa “de parte da comunidade universitária de se imbricar em questões que dizem respeito à educação básica”.

A professora de Português e Literatura do CAp realçou que o GT do Ensino Médio “vem se debruçando sobre essa lei nefasta” e que o momento é de escuta e de ampliação dos caminhos de luta contra o NEM.

Ela destacou ainda que a UFRJ é uma instituição que forma docentes e possui uma unidade de educação básica. Portanto, acrescentou, posicionar-se publicamente pela revogação do NEM, como já fez a Universidade, é compreender o seu papel de formação no cenário da educação brasileira e na elaboração de alternativas político-pedagógicas democráticas e emancipadoras.

Maria Coelho lembrou que uma professora de Letras da UFRJ, Glória Pondé, lançou uma importante questão, há algumas décadas, em seu memorial para professora titular: “Qual o papel da educação pública na formação da civilização no próximo milênio?”

“O ‘próximo milênio’ chegou faz um tempo e cá estamos nós no fio da navalha entre “civilização e barbárie”, sentenciou.

Ela propôs elaborar caminhos estratégicos que abarquem a complexidade do tema, “mas não se furtem a dialogar com a dimensão utópica da educação que queremos”.

“O professor faz hoje cinco ou mais planejamentos”

Professora da rede estadual há 16 anos, Viviane Bonifácio disse que quando o professor está em sala de aula não tem a possibilidade de refletir. “Que bom que temos uma Universidade e o Complexo de Formação de Professores para podermos caminhar juntos”, frisou.

Técnica em Assuntos Educacionais da UFRJ, ela salientou que, em 2022, o segmento foi engolido pela reforma do ensino médio. No Rio de Janeiro, houve perda de tempos de Sociologia, Português e Matemática.

Em 2023, acrescentou, na segunda onda de implementação da reforma no estado, foram extintos dois tempos de Filosofia, dois de Educação Física e mais dois de Sociologia. No lugar deles, entraram quatro disciplinas dos chamados itinerários formativos.

Viviane afirmou que só consegue pensar a reforma do ensino médio sob a perspectiva do professor, ou seja, de valorização do magistério. Tem-se pensado, por exemplo, em aumentar a carga horária para que se tenha um atendimento amplo em todas as disciplinas, como Matemática e Língua Portuguesa, até que o ensino se torne integral.

No entanto, o que se tem na escola hoje, segundo ela, são professores fazendo mais cinco ou seis planejamentos além daquele da sua própria disciplina. “São planejamentos que precisariam ser feitos em conjunto, mas os docentes não conseguem se encontrar nem na sala de professores. Então, como conseguirão planejar juntos?”, indagou.

Para ela, é preciso ouvir cada vez mais os profissionais da rede básica. Para isso, defende a criação dentro das escolas de grupos de discussão para produzir documentos com sugestões para o Complexo e para a UFRJ.

“Assim, poderemos caminhar juntos rumo à valorização do magistério e a um novo ensino médio para o Brasil”, concluiu.

“Faltou transparência no debate”

Representante do Sepe no seminário, Dermeval Marins disse que vem denunciando, há algum tempo, a falta de transparência nas discussões sobre o NEM encaminhadas pela Secretaria Estadual de Educação (Seeduc-RJ).

A primeira consulta pública, contou, foi no meio da pandemia da Covid-19, quando todos estavam mais preocupados com a sobrevivência. “Solicitamos que ela fosse suspensa e fosse aberto um debate público com a comunidade escolar e toda a sociedade após o fim da emergência de saúde pública. Mas isso não foi feito”, apontou.

Ele afirmou que foi criado um GT pela Seeduc-RJ no qual a secretaria criou as chamadas disciplinas dos itinerários formativos com muitos conteúdos que carecem de cientificidade.

Segundo o dirigente, o Sepe buscou articular movimentos estudantis, sindicatos da área da educação e universidades em torno da luta pela revogação do NEM. “Criamos o nosso próprio Grupo de Trabalho e elaboramos um relatório apontando vários malefícios da reforma”, disse.

Após o acordo para o fim da greve este ano, segundo Marins, a Seeduc-RJ se comprometeu a retomar a obrigatoriedade de disciplinas como História, Filosofia, Sociologia e Geografia. “Hoje, acabei de receber o informe de que o MEC também propôs o aumento da carga horária obrigatória para 2.400 horas, com o retorno dessas disciplinas”, afirmou.

Por fim, ele realçou que é fundamental continuar organizando “eventos como esse para refletirmos sobre que ensino médio queremos para os filhos da classe trabalhadora”.

O seminário foi dividido em seis grupos de trabalho para formular propostas de uma nova política para o ensino médio.

“Precisamos conquistar o espaço da pós-graduação”

A representante do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e dos institutos federais de maneira geral, Giselle Roças ressaltou que falava também como coordenadora da área de Ensino da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

“Na Capes, discutimos e avaliamos a pós-graduação brasileira. E não tem como passarmos por uma avaliação e valorização da classe docente se não pensarmos a formação de professores, tanto em nível inicial como continuado. Acho importante lembrarmos disso”, comentou.

A discussão sobre o NEM e mesmo a BNCC, observou Giselle, não aparece de forma tão evidente dentro da área que forma a maior parte dos nossos professores.

Avançou-se na área do ensino, mas, afirmou, que é necessário entender que existem mestrados profissionais em rede que formam professores em larga escala em áreas do saber como Biologia, Química, Física, História e Matemática.

As questões políticas associadas à formação de professores, segundo ela, não são debatidas na pós-graduação e é preciso conquistar esse espaço. Caso contrário, acrescentou, o país formará professores em nível de mestrado e doutorado mais preocupados em reforçar conceitos específicos das próprias disciplinas do que em pensar a educação de maneira ampla e integrada.

“Esse é um dos caminhos para responder à questão apresentada aqui sobre que perfil de professor e qual educação queremos para esse novo milênio”, ponderou.

Segundo Giselle Roças, o Novo Ensino Médio foi formulado sem considerar as questões da escola e sem conhecimento de causa sobre a estrutura escolar e a formação dos professores.

“O ensino médio pode almejar ser integral, mas de que maneira, com quantas escolas e com que professores? Como alimentaremos os estudantes nas escolas? São várias questões para pensar e que não são exclusivas e restritas à sala de aula, mas se relacionam a todo o universo que circunscreve a educação brasileira”, analisou.

“Não nos foi perguntado o que queríamos”

Estudante do ensino médio, Jéssica Anunciação afirmou ser um privilégio estar no seminário e representar tantas vozes do Brasil e do Rio de Janeiro.

“Essa é uma mesa diversa e representativa, que tem faltado nos últimos tempos. E algo essencial para levarmos adiante a luta pela revogação do Novo Ensino Médio é o diálogo e a conexão”, ressaltou.

Ela se mostrou preocupada com as gerações que virão depois e que sofrerão os impactos do NEM, implantado sem debate com os estudantes: “Nunca nos foi perguntado o que queríamos e como queríamos”.

Jéssica disse que vai fazer o ENEM no ano que vem e não tem tido aulas de Filosofia, Sociologia, Química e Biologia. “Como aplicar esses conhecimentos no ENEM e em outras seleções para conseguir acessar uma vaga no ensino superior?”, questionou.

“Eu quero, como mulher negra e de periferia, me ver numa universidade, poder chegar na UFRJ, na Uerj ou na Unirio e dizer que sou fruto da educação pública. O que sofremos hoje é uma precarização da educação”, enfatizou.

Com o Novo Ensino Médio, ela acredita que não apenas os professores, mas também os estudantes estejam vivendo uma experiência de cobaias.

“O que peço aqui a todos vocês é que pensem de forma crítica essa reforma porque ela pode afetar uma geração inteira. E a geração que está vindo está aberta ao diálogo, levantando bandeiras e afirmando que tem direitos e quer exercê-los”, conclamou.

Pró-reitora de Graduação: “NEM precariza trabalho docente”

Em seguida, Maria Fernanda Quintela, pró-reitora de Graduação da UFRJ (PR-1), enalteceu a presença expressiva de pessoas dispostas a passar o dia discutindo uma política pública tão importante para a UFRJ e para o Brasil.

Ela agradeceu o convite para participar do encontro à coordenadora do CFP, Carmen Gabriel, e elogiou o “excepcional trabalho” que vem desenvolvendo em conjunto com a sua equipe nesta “estrutura fundamental” da Universidade.

“Esperamos que possamos modificar a forma como se dá a formação de professores nas universidades brasileiras”, acentuou.

Segundo a pró-reitora, o seminário mostra o papel da universidade pública na formulação de políticas educacionais em um momento desafiador para o Brasil. E a UFRJ, acrescentou, não pode ficar fora dessa discussão.

“A revogação do NEM é um passo estratégico para a formação plena de nossos jovens, pois essa política desorganiza as redes de ensino, amplia desigualdades escolares e promove a precarização do trabalho docente”, sentenciou.

Maria Fernanda disse que a PR-1 não trata somente dos cursos de graduação, mas também da educação básica da UFRJ. Ela destacou ainda que o “nosso CAp, uma instituição de excelência, é fundamental para a formação de professores”.

Para ela, tanto o Complexo como o Colégio de Aplicação devem ser atendidos e compreendidos na integralidade das suas missões institucionais.

“É um compromisso com o futuro do país pensar, refletir e agir pela integração da educação básica e superior. Esse seminário reflete parte desse entendimento e dessa necessidade na UFRJ”, finalizou.

Cássia Turci:"Novo Ensino Médio dificulta formação integral de cidadãos".

Vice-reitora: “A formação de professores entrou na agenda universitária”

Ao encerrar a cerimônia de abertura, a vice-reitora da UFRJ, Cássia Turci, fez uma saudação especial à coordenadora do CFP, Carmen Gabriel, pela organização do evento, e ao pró-reitor de Pesquisa da UFRJ, João Torres, que lida em sua área com mestrados profissionais que atuam na formação de professores.

“Estou feliz em ver esse auditório cheio. Esse é um tema que nos interessa muito na UFRJ, ainda mais depois de um período de pandemia. Temos estudantes que já estão na metade dos seus cursos e conhecem muito pouco da UFRJ presencial. Por isso, acho muito bom esse encontro”, frisou.

Ela revelou que atua nas licenciaturas desde a época em que era professora do Instituto de Química (IQ-UFRJ), especialmente nos cursos noturnos. “Começamos esses cursos em 1993 e, naquela época, poucos docentes vinham trabalhar à noite na formação dos nossos professores para o ensino fundamental e médio”, lembrou.

Muitas vezes, observou, leis para a educação básica são editadas e pessoas que se interessam e conhecem a área não são chamadas para a discussão: “Isso é um absurdo e vem acontecendo no país há alguns anos”.

A vice-reitora defendeu o fortalecimento de todas as áreas do conhecimento na UFRJ. “Temos que brigar para que todos os centros e as unidades tenham um papel fundamental na formação dos nossos estudantes”, afirmou.

Ela realçou também a importância de valorizar o ensino médio: “Queremos receber na Universidade estudantes que tiveram uma boa formação no ensino médio”.

A dirigente, que é filha de uma docente do ensino fundamental, disse se considerar professora de formação e de profissão. E fez questão de frisar que “o ensino fundamental e o ensino médio são fundamentais para o país”.

Desde que a UFRJ criou o Complexo de Formação de Professores, destacou, o debate sobre o que é ser professor e que ensino queremos para os nossos estudantes esteve entre um dos mais importantes da agenda universitária.

Segundo Cássia Turci, a UFRJ tem cerca de 70 mil estudantes, considerando graduação e pós-graduação e, portanto, precisa ter um papel diferenciado na sociedade. Na visão da vice-reitora, o Novo Ensino Médio é um problema muito sério para o Brasil, pois dificulta a formação integral de cidadãos.

Ela disse, ainda, estar feliz por ver o auditório lotado de pessoas com interesse em fortalecer a educação no país. “Vamos lutar pela revogação dessa lei tão prejudicial à sociedade brasileira”, concluiu.


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