Que professor queremos formar? O debate que a UFRJ precisa encarar

Por Coryntho Baldez

Foto de abertura: Tânia Rego(Agência Brasil)

Com cerca de 15 mil estudantes, as licenciaturas representam 25% de todas as matrículas ativas da UFRJ, segundo dados obtidos do Sistema Integrado de Gestão Acadêmica (SIGA) da UFRJ.

Contudo, ainda hoje, elas empenham-se em obter o reconhecimento e a necessária valorização da formação docente no ambiente universitário.

Segundo Joaquim da Silva, integrante do comitê executivo do Complexo de Formação de Professores (CFP), a profissão de professor é pouco valorizada socialmente.

Nesta entrevista, ele defendeu condições de trabalho e planos de carreiras mais atrativos para os professores, especialmente no setor público.

Segundo Joaquim, que também é assessor da Pró-reitoria de Graduação (PR-1), o Complexo tem trazido para a UFRJ a discussão da profissionalização da formação docente. “As licenciaturas são cursos singulares, não adaptações do bacharelado”, sublinhou.

Ele também abordou o recém-criado Fórum de Coordenadores das Licenciaturas: “É uma iniciativa que visa discutir que professor a UFRJ quer formar e que currículo desejamos ter”.

Joaquim da Silva, assessor da PR1 e integrante do Complexo de Formação de Professores

– Qual a importância e o peso das licenciaturas hoje na UFRJ?

Joaquim da Silva – É importante primeiro registrar que existem 32 cursos de licenciatura na UFRJ, três na modalidade semipresencial, oferecidos pelo consórcio Cederj, e 29 presenciais, distribuídos no Rio de Janeiro e Macaé. Somando as matrículas ativas nesses 32 cursos, temos hoje 25% do alunado da UFRJ matriculados nas licenciaturas. São cerca de 15 mil estudantes atualmente.

– E qual a proporção de estudantes em cada um dos modelos?

Joaquim da Silva – Desse conjunto, aproximadamente 60% estão nos cursos presenciais e os demais 40% nos cursos EAD oferecidos em polos localizados em todo o estado do Rio de Janeiro. É um peso considerável, já que temos 1/4 do alunado da UFRJ nos cursos de licenciatura. Esses números são recentes e são constantes, ou seja, o que temos observado ao longo dos últimos três anos é que essa proporção se mantém.

– Que fatores explicam essa tendência dominante de estabilidade no número de estudantes de licenciatura na Universidade?

Joaquim da Silva – A primeira razão é que não houve a abertura de novos cursos de licenciatura nos últimos anos. E isso faz com que o número de vagas oferecido nos processos de ingresso seja o mesmo. O que temos também observado, analisando o Sisu, a principal forma de ingresso na UFRJ, é que o percentual de ocupação dessas vagas tem se mantido. Ou seja, após todas as chamadas de cada edição do Sisu, nós preenchemos quase todas as vagas dos cursos de licenciatura.

– A que você atribui isso?

Joaquim da Silva – É importante termos em mente que muitas dessas vagas são ocupadas por estudantes que querem ingressar na UFRJ, e não necessariamente nas licenciaturas. São jovens, por exemplo, que não conseguiram alcançar nota para entrar num curso de bacharelado e veem a licenciatura como uma porta para o ingresso na UFRJ, com uma perspectiva futura de mudança de curso.

– E quais os efeitos desse fenômeno?

Joaquim da Silva – Muitos desses estudantes acabam ficando retidos durante algum tempo porque tentam mudar de curso, o que nem sempre é viável. É uma situação que pode levar tanto a um aumento da retenção como da evasão dos cursos. Isso faz com que alunos que têm interesse efetivo não consigam ingressar nos cursos de licenciatura porque há outros ocupando essas vagas.

– Esses problemas decorrem, entre outros fatores, do fato de a formação de professores ainda não ser valorizada como deveria no ambiente universitário de modo geral?

Joaquim da Silva – O que a gente observa é isso. A profissão de professor socialmente hoje é pouco valorizada. Não existem planos de carreira atrativos e as condições de trabalho, especialmente no setor público, também não são atrativas. Há muito tempo, em alguns estados, não há concursos para professores.

– Isso certamente afeta as escolhas dos estudantes?

Joaquim da Silva – Tudo isso acaba levando a uma visão por parte dos estudantes de ensino médio de que os cursos de licenciatura talvez não sejam aqueles que darão retorno mais rápido, em termos de mobilidade social. Com isso, diminui o interesse deles em efetivamente cursarem licenciaturas e serem professores da educação básica. Então, é necessário uma política nacional de valorização da profissão docente, tanto sob o aspecto da formação como das condições de trabalho, incluindo o salário.

– Que papel o Complexo vem cumprindo e pode ainda cumprir sob esse aspecto de valorizar efetivamente a formação de professores na UFRJ?

Joaquim da Silva – O Complexo tem trazido muito fortemente a discussão da profissionalização da formação docente, ou seja, a ideia de que ser professor é ser um profissional com conhecimentos e habilidades específicas. É preciso superar uma noção muito comum relacionada ao notório saber, ou seja, de que basta saber muito sobre um assunto para ser professor. O professor precisa ter uma formação específica, que é dada exatamente pelos cursos de licenciatura.

– Esse debate tem ganhado mais peso na UFRJ?

Joaquim da Silva – O Complexo tem trazido essa discussão dentro da Universidade e tensionado a relação de poder estabelecida pelos bacharelados. A nossa compreensão é de que as licenciaturas são cursos singulares, não são adaptações do bacharelado para conferir uma habilidade legal para o exercício da profissão de professor. O curso de licenciatura é algo muito diferente. Ele precisa ser pensado desde o seu primeiro momento como um curso de formação de professores em interação com a escola da educação básica.

– Do ponto de vista dos cursos, que contribuição o recém-criado Fórum das Licenciaturas pode dar para enfrentar desafios como a fragmentação acadêmica e a necessidade de reformas curriculares?

Joaquim da Silva – O Fórum de Coordenadores de Licenciaturas agrega tanto o Complexo de Formação de Professores como a Pró-reitoria de Graduação, junto com os coordenadores. O objetivo é exatamente discutir que professor a UFRJ quer formar e que currículo precisamos criar e desejamos ter. Buscaremos fazer a interação e a integração de áreas específicas, como Filosofia, Biologia e Letras, com a formação docente.

– Pode detalhar mais essa iniciativa?

Joaquim da Silva – Precisamos entender de que forma os saberes acadêmicos e os saberes escolares se integram com a formação docente. Esse é um fórum onde essas discussões serão feitas por aqueles atores mais diretamente envolvidos e preocupados com a formação e os currículos dos cursos, que são os coordenadores de licenciaturas. Eles, então, podem levar essa discussão para os núcleos docentes estruturantes e as suas unidades. E envolver toda a comunidade acadêmica nesse movimento de valorização da formação de professores enquanto profissional específico e com saberes próprios.


Um comentário em “Que professor queremos formar? O debate que a UFRJ precisa encarar

  • 4 de agosto de 2023 em 20:00
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    Há muita pesquisa sobre formação de professores há décadas, que precisa ser conhecida por aqueles professores que lecionam na licenciatura. Muitos dos nossos profissionais não conhecem a realidade da sala de aula atual. Lembram de seu tempo de ” ensino médio “. A sociedade mudou. E formamos alunos , que irão ( ou já estão) formando uma outra geração. Ou olhamos para o futuro revendo avaliações passadas ou vamos mais uma tentar ” inventar a roda”.

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