Cátedra Anísio Teixeira é inaugurada: Brasil terá futuro frágil sem educação básica forte

Por Coryntho Baldez

O imponente Salão Dourado do Palácio Universitário, na Praia Vermelha, ficou lotado, na manhã de 27 de julho, para o histórico evento de lançamento da Cátedra Anísio Teixeira de Formação de Professores, uma das primeiras do gênero no país.

Na ocasião, o reitor honorário da Universidade de Lisboa, Antônio Nóvoa, proferiu, para atenta plateia de docentes e estudantes, a conferência A Universidade Pública Brasileira e a Formação de Professores: Futuros Possíveis.

A pioneira iniciativa do Complexo de Formação de Professores (CFP) da UFRJ – que homenageia no nome um dos maiores educadores brasileiros do século XX – ambiciona tornar-se um polo nacional e internacional de produção teórica e de troca de conhecimentos no campo da formação de docentes da educação básica.

Aprovada no âmbito do Programa de Cátedras do Colégio Brasileiro de Altos Estudos (CBAE/UFRJ), a proposta do CFP prevê o debate de temas contemporâneos – como profissionalização docente, cultura digital, currículo e relações étnico-raciais, entre muitos outros – em seminários, rodas de conversa e diálogos com prestigiados pesquisadores nacionais e do exterior.

Cátedra é resultado de projeto coletivo

Na abertura da cerimônia, a diretora do CBAE/UFRJ, Célia de Castro, salientou que o Programa de Cátedras nasceu em 2020 com o objetivo de pensar o presente e o futuro, atualizando o debate sobre temas relevantes para o Brasil.

A diretora do CBAE disse que a Cátedra Anísio Teixeira, ao se articular com redes de pesquisas nacionais e internacionais, poderá ampliar o alcance dessa importante discussão voltada para a formação de professores e o ensino do futuro.

Em seguida, a coordenadora do Comitê Executivo do CFP, Carmen Gabriel, assinalou que a Cátedra Anísio Teixeira apresenta a singularidade de ser o resultado de demandas de um coletivo engajado na construção de uma política institucional de formação docente gestada na UFRJ desde 2016.

Não por acaso, 15 programas de pós-graduação em Educação e Ensino da UFRJ validaram a concepção e a elaboração do projeto, segundo a professora titular da Faculdade de Educação – que divide a responsabilidade de coordenar a cátedra com Antônio Nóvoa, professor catedrático da Universidade de Lisboa.

“A preocupação em envolver sujeitos, unidades e instâncias que se relacionam com a formação dos professores no âmbito da UFRJ marca a aposta político-epistemológica sustentada pelo CFP”, destacou.

Potência do Complexo está na afirmação de princípios

Segundo Carmen, a potência do Complexo está na adoção de um olhar voltado para políticas de formação docente no nosso presente que apontem para outros arranjos institucionais. A potência do CFP, ponderou, não está em discutir a melhor modalidade de formação, mas em afirmar princípios como a importância da universidade pública na formação docente, o lugar da escola pública como espaço de formação e a docência como profissão com saberes específicos.

De acordo com a pesquisadora, são esses pressupostos, entre outros, que permitem olhar a iniciativa do CFP como um movimento mais amplo que pensa a formação de professores a partir da ideia de uma casa comum.

“A Cátedra que hoje inauguramos tem, pois, como objetivo fortalecer esse movimento por meio da produção de conhecimento que faz parte de ações acadêmicas e que incidem diretamente no processo de formação inicial e continuada de professores”, acrescentou.
Acesse o discurso completo da coordenadora do CFP.

Universidades têm compromisso com educação básica?

Ao iniciar a sua conferência, o pesquisador português Antônio Nóvoa, especialista em História da Educação, usou o habitual tom provocador para suscitar reflexões e avisou: “Isto não é uma aula, nem é inaugural e nem é uma cátedra”.

Em seguida, explicou não se tratar de uma “aula” porque a criação da Cátedra Anísio Teixeira é, acima de tudo, um convite à universidade para se comprometer com a educação básica e se envolver na formação de professores.

Historicamente, disse, as universidades nada ou pouco se interessaram pela educação básica: “Estou a falar do mundo inteiro, mas também do Brasil”.

Ele enfatizou que são outras as prioridades das instituições universitárias, com o agravante de que, nas últimas décadas, o ‘produtivismo acadêmico’ tomou conta da vida universitária, voltada obsessivamente para a publicação científica.

“Nunca vi pesquisador dar centralidade à formação docente”

Sobre a educação básica, lembrou o infrutífero “lamento cíclico” das universidades, repetido geração após geração, de que os alunos são despreparados e não estão prontos para os cursos superiores.

“Este sempre foi um lamento inconsequente porque não provocou qualquer mudança na relação entre a universidade e a educação básica”, criticou.

Ele disse não desconhecer a história de vida de muitos universitários em diversas áreas do conhecimento, como filósofos, pedagogos, engenheiros e médicos, que dedicaram o melhor de si à educação e à formação de professores.

“Porém, são histórias que sempre foram exceção, nunca a regra”, afiançou.

Por dever de ofício, contou já ter lido e avaliado centenas – “talvez milhares” – de currículos acadêmicos de professores e pesquisadores. E nunca viu nenhum dar centralidade ao trabalho de formação de professores.

“Mesmo na área da educação, os artigos científicos e projetos de pesquisa são sempre os que têm prioridade nos currículos”, frisou.

Universidade criada por Anísio Teixeira foi exceção mundial

Também em função dos cargos que ocupou ao longo da vida, estudou e analisou os planos estratégicos de centenas de universidades em todo o mundo. E assegurou que nunca viu nenhuma delas assumir como prioridade a formação de professores.

Apontou apenas uma exceção. “Na verdade, vi apenas um plano estratégico dar centralidade à formação de professores, o da Universidade do Distrito Federal do Rio de Janeiro, criada em 1935, por Anísio Teixeira”.

Em seguida, insistiu no convite às universidades públicas brasileiras para que se envolvam seriamente na formação de professores.

Todos os presentes na cerimônia, disse Nóvoa, certamente já declararam em algum momento das suas vidas que sem bons professores é impossível haver educação básica de qualidade.

Porém, segundo ele, não se retira dessa afirmação as devidas consequências para a organização, o planejamento e a estratégia das universidades.

Brasil deixa tarefa de formar professores para setor privado

Para exemplificar, o professor da Universidade de Lisboa lembrou que os estudantes que cursam licenciatura no Brasil representam 20% dos universitários brasileiro: “São mais de 1,5 milhão de estudantes, não é pouca coisa”.

Estranhamente, acrescentou, o Brasil tem deixado a tarefa de formar seus professores para instituições privadas de duvidosa qualidade, que recorrem, sobretudo, a cursos de educação à distância.

Citou ainda outro dado: quase 2/3 dos professores brasileiros são formados em cursos privados. A porcentagem é maior em cursos EAD e aumenta ainda mais no caso de licenciaturas em Pedagogia. “É um verdadeiro suicídio nacional”, sentenciou Nóvoa.

É uma realidade, de acordo com o pesquisador, que não tem paralelo em nenhum outro país do mundo.

Por isso, disse, é tão importante o investimento e a mobilização das universidades públicas para fundar padrões de qualidade que influenciem as instituições e as políticas públicas vinculadas à formação de professores.

“Nenhuma instituição é tão assombrosamente útil como a universidade”

Ao invocar o “poder” que as universidades públicas brasileiras têm, se quiserem, de reorientar as políticas de formação de professores, o pesquisador citou o discurso de Anísio Teixeira, na inauguração dos cursos da Universidade do Distrito Federal do Rio de Janeiro, no dia 31 de julho de 1935:

“São as universidades que fazem, hoje, a vida marchar. Nada as substitui. Nada as dispensa. Nenhuma instituição é tão assombrosamente útil”. Mas apenas se quiser ser útil e se assumir essa função, acrescentou Nóvoa às palavras do pensador brasileiro.

As universidades têm esse poder de ser útil, sublinhou o palestrante, mas nem sempre o exercem. Frequentemente, “preferem virar-se para ‘dentro’, para as guerras internas, e se esquecem de que é ‘fora’ delas, em sua relação com a ciência, a cultura e a cidadania, que se encontra a sua razão de ser”.

De uma coisa, o especialista em História da Educação disse estar certo: “Sem universidades comprometidas com a educação básica e a formação de professores, será frágil o futuro do Brasil”. Assista aqui a conferência completa de Antônio Nóvoa.


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