A escola em cena: Complexo vence editais com projetos que valorizam educação básica
Por Coryntho Baldez
O esforço do Complexo de Formação de Professores (CFP) da UFRJ para construir um novo modelo no campo da formação docente, com desenho institucional inovador e olhar sensível para a escola, está sendo gradativamente premiado.
Um bom exemplo são os projetos do CFP contemplados, recentemente, em editais promovidos por prestigiadas instituições de fomento à pesquisa do Brasil.
Na Chamada Universal do CNPq (Nº 18/2021), por exemplo, o Complexo foi um dos vencedores com a proposta Desafios Curriculares para a Formação Docente: Demandas Insurgentes e Experiências Institucionais Contemporâneas.
Um outro projeto do CFP – Tecendo Conhecimentos: Todos de Portas Abertas! – foi contemplado pelo Edital de Apoio à Melhoria das Escolas da Rede Pública do Estado do Rio de Janeiro/2021, da Faperj (ver matéria aqui).
“O terceiro espaço”
Conforme a sua própria descrição, o projeto (ver aqui) para o CNPq se inscreve nos debates político-educacionais contemporâneos sobre a produção de políticas curriculares voltadas para a formação do docente da educação básica.
Segundo Carmen Gabriel, coordenadora do Comitê Executivo do CFP, a proposta ¬– “uma articulação de rede com pesquisadores de outros estados e internacionais” – tem como objeto de reflexão comum as experiências que classifica como “cenas de formação”.
“Há uma intencionalidade de produzir o que caracterizamos como ‘terceiro espaço’, ou seja, a articulação entre universidade, escola e comunidade”, observa Carmen, pesquisadora nas áreas de Currículo e Ensino de História.
Quando se refere a esse novo arranjo institucional, lembra que não se trata apenas de construí-lo, mas também de aferir como a iniciativa se reflete internamente nos cursos de licenciatura e na organização dos currículos.
Segundo ela, a articulação entre universidade, escola e comunidade sempre ocorreu, mas o que o CFP pretende é qualificá-la, mudar a sua natureza “Essa é a novidade”, aponta.
Embora não a veja como modelo – “é mais uma experiência” – Carmen realça a importância da proposta do Complexo de valorizar políticas públicas de formação produzidas na esfera do chamado “terceiro espaço”, capazes de expressar “as idiossincrasias dos territórios e das regiões onde as instituições de formação estão ancoradas”.
Pesquisar “com” professores muda tudo
Giseli Barreto da Cruz, professora da Faculdade de Educação (FE) e coordenadora do eixo Os Processos de Subjetivação Docente – uma das seis dimensões temáticas do projeto – afirma que a ideia não é “desenvolver pesquisa para e sobre professores, mas com professores”.
Essa perspectiva, diz, muda completamente o sentido da formação docente e terá grande realce no transcurso da pesquisa: “Os estudos investigativos serão desenvolvidos a partir das próprias práticas formativas de professores”.
Portanto, acentua a pesquisadora, haverá ênfase no processo de “tornar-se professor” e de “construção do desenvolvimento profissional docente”, cujas bases são as experiências das diversas etapas de formação: inicial, de inserção profissional e continuada. “É esse continuum que constitui o desenvolvimento profissional”, resume.
No entanto, Giseli – que coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática e Formação de Professores (GEPED) da FE – promete um olhar especial, mas não exclusivo, para a indução docente, “uma formação específica para professores em fase de inserção profissional”.
A abordagem distinta para essa área, segundo ela, tem como base pesquisas que evidenciam a desconsideração com uma etapa extremamente crítica e complexa da profissionalização docente.
“Como não tem sido suficientemente cuidada, essa é uma fase em que muitos professores desistem da carreira. Os cinco primeiros anos de inserção profissional são determinantes para o processo de tornar-se professor”, enfatiza.
Haverá, também, especial atenção para escolas públicas localizadas em territórios considerados conflagrados e em situação de alta vulnerabilidade social.
Estudos indicam, diz Giseli, que muitos professores iniciam a carreira em escolas situadas em áreas de alto risco, circunstância que impacta a sua inserção profissional e o seu processo de subjetivação docente.
“Estamos de olho, portanto, em estratos pouco considerados nas pesquisas e que nos darão subsídios para pensar os currículos de formação”, explica.
“Há forças reativas que temem a diferença”
Thiago Ranniery, vice-diretor da Faculdade de Educação (FE), está à frente de outro eixo do projeto: As Demandas dos Movimentos Sociais e a Consideração da Diferença.
Ao ser indagado se as temáticas relacionadas ao eixo que coordena ainda encontram obstáculos para serem acolhidas e se expressar no espaço escolar, responde: “sim e não”.
Ele explica que, de fato, o lugar social da diferença na escola se alterou radicalmente. E que uma espécie de atmosfera e sensibilidade às demandas da diferença transformou o cenário político e cultural da educação nas últimas duas décadas no Brasil, em diferentes níveis e escalas.
Embora essa realidade, segundo Thiago, se expresse no maior interesse dos professores, nas conversas dos estudantes e, sobretudo, nos corpos e nas vidas das pessoas, ela não é vivida sem antagonismo.
“Há forças reativas, em amplo espectro, que temem aonde a diferença pode nos levar, talvez até mesmo sem nós estabelecermos um limite constritivo de reconhecimento e do que aceitamos, o que demanda uma crítica contínua à nossa própria atuação”, aponta.
Professor de pós-graduação em educação na linha de pesquisa currículo, ensino e diferença, Thiago aponta algumas contribuições que o projeto pode oferecer.
Uma delas, afirma, é incentivar a produção de uma linguagem teórica e imaginativa habilitada para escutar como a diferença habita currículos e enseja formas de pensamento para além dos dualismos e determinismos, que, na arena pública, costumam pautar este debate.
“Educação não é produto e formação de professores não é treinamento”
Qual a importância do projeto do Complexo, cujo elemento central é a articulação entre universidade, escola e comunidade, para romper a lógica centralizada e fragmentada das reformas curriculares?
Para Giseli Barreto da Cruz, coordenadora do eixo Os Processos de Subjetivação Docente, o que o projeto oferece em termos de ensino, pesquisa e atividades de extensão está na contramão do atual marco regulatório da formação de professores.
A professora da FE lembra que, hoje, existem duas grandes diretrizes do Ministério da Educação nesse campo: uma para a formação inicial (Resolução CNE nº 2/2019) e outra para a formação continuada (Resolução CNE nº 1/2020).
“O fato de se ter dois documentos legais, por si só, já evidencia uma concepção de formação inicial e continuada que se dá em separado, e não inscritas na ideia de continuum profissional”, critica.
Uma forma de superar essa cisão, segundo ela, é conceber projetos que nasçam no microcontexto local e levem em consideração o contexto geral em que as escolas estão situadas – “os locais e as regiões onde os professores trabalham e desenvolvem a sua profissionalidade”.
Por isso, aponta Giseli, o projeto do CFP se contrapõe à forma como vêm sendo gestadas as atuais diretrizes e reformas curriculares para a formação de professores e para a educação básica como um todo.
Não haverá prescrição de propostas
Para a pesquisadora, o país vive um momento em que a educação é compreendida como mercadoria. “O conhecimento é subsumido à ideia de informação, a formação à ideia de treinamento e o professor é concebido como um técnico. O nosso projeto aponta para a superação dessa concepção”, analisa.
Segundo ela, escola não é mercadoria, educação não é produto e formação de professores não é treinamento. “Ao contrário, o professor é um intelectual, a natureza do seu trabalho é intelectiva, cognitiva e relacional”, frisa.
Ela assinala que a concepção que move o projeto é o diálogo, a horizontalidade e a participação. “Não se quer organizar prescrições que serão apresentadas para o professor”, atesta.
Para Giseli, pensar em projetos de subjetivação docente que potencializem propostas de formação docente alternativas e insurgentes significa manter diálogo estreito com o que acontece no chão da escola, em aliança com o professor.
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