“Comunidades de aprendizagem”: a proposta do CFP para aproximar saberes e sujeitos da educação

Por Coryntho Baldez

O projeto Tecendo Conhecimentos: Todos de Portas Abertas! foi contemplado no concorrido Edital de Apoio à Melhoria das Escolas da Rede Pública do Estado do Rio de Janeiro/2021, da Faperj.

Segundo a agência de fomento, uma das finalidades da inciativa é mitigar os impactos da pandemia na educação e reduzir as disparidades e diferenças educacionais geradas pelo fechamento das escolas.

Elaborado pelo Complexo de Formação de Professores (CFP) da UFRJ, em parceria com o Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), o projeto atenderá duas escolas públicas: o Colégio Estadual Professor João Borges de Moraes, na favela da Maré, e a Escola Municipal Bolívar, no Engenho de Dentro.

A partir do diálogo inter e transdisciplinar entre as disciplinas Ciências, História e Língua Portuguesa, a proposta ensejará ações que valorizam estudantes e docentes da educação básica como protagonistas na construção e apropriação do conhecimento científico.

“Comunidades de aprendizagem” reunirá diferentes atores

Carmen Gabriel, coordenadora do Comitê Executivo do CFP, explica que o projeto opera na triangulação entre os diferentes espaços formativos – universidade, escola e comunidade –, na mesma linha da proposta contemplada na Chamada Universal do CNPq (ver matéria aqui).

“A possibilidade que ele oferece é justamente trabalhar esse aspecto junto às escolas. Um dos seus propósitos é articular melhor os saberes teóricos, pedagógicos e disciplinares”, destaca.

Segundo ela, a proposta, de alguma forma, operacionaliza princípios em torno dos quais o Complexo se constitui, como a horizontalidade de saberes, a pluralidade de ações, sujeitos e espaços e a integração de ações formativas.

Diferentemente do edital do CNPq, acrescenta Carmen, o objetivo é focar na articulação de saberes e seus efeitos no processo de ensino-aprendizagem de estudantes do ensino médio.

A ideia, diz, é construir comunidades de aprendizagem (ver aqui), articulando atores posicionados em diferentes lugares, como professores universitários, docentes da rede de ensino médio, licenciandos e estudantes das escolas.

“Juntos, eles podem pensar temáticas importantes que atravessam hoje os currículos das escolas”, sustenta Carmen, que é professora titular da Faculdade de Educação (FE)

Novas experiências de “fazer científico”

Integrante da equipe do projeto, a professora titular do Instituto de Bioquímica Médica (IBqM) da UFRJ, Débora Foguel, considera possível e necessário agregar novos sujeitos, como estudantes e docentes da rede básica, na dimensão do “fazer científico”.

A proposta prevê, lembra ela, que tanto as escolas quanto as universidades estejam de portas abertas. Assim, no desenrolar do projeto – diz – os professores e estudantes vão “experienciar e participar, dentro dos grupos de pesquisa da UFRJ, do ‘fazimento’ científico”.

Da mesma forma, prossegue, a ida à escola da universidade vai permitir que se teça novas relações e conhecimentos, como prevê o título do próprio projeto.

“Apropriar-se de um conhecimento, como o científico, funciona melhor quando se coloca a mão, o cérebro e o coração na massa”, ressalta Débora, que é coordenadora de Educação da Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE).

Aglutinar saberes para vencer divisão do conhecimento

Ao comentar a fragmentação do ensino em disciplinas estanques como possível obstáculo a uma abordagem trans e interdisciplinar no espaço escolar, como prevê o projeto, a pesquisadora afirma que não é tarefa simples superá-la.

“Quebrar, ou melhor, preencher os espaços gerados por essa fragmentação é um enorme desafio, pois somos formados nas escolas e mesmo nas licenciaturas para atuar em caixas estanques”, critica.

No entanto, aponta que uma das formas de abordar a questão é exatamente aglutinar pessoas de diferentes áreas e saberes e deixá-las pensar juntas a forma de tratar determinados conteúdos escolares, de forma harmoniosa e integrada.

“Pretendemos, nas comunidades de aprendizagem previstas no projeto, criar esse espaço neutro e aberto para essas construções”, destaca Débora.

“Disciplinarização: as relações de poder são o problema”

Ao abordar o tema, Carmen Gabriel, primeiramente, faz a ressalva de que continuamos pensando sob a lógica das disciplinas quando discutimos inter, multi e transdisciplinaridade.

“Isso não é um problema em si. O problema da disciplinarização é como, historicamente, ela fez parte e se desenvolveu em uma cultura escolar permeada por relações de poder. Essa é a origem da ideia de romper as fronteiras de uma disciplina”, analisa.

Vive-se um momento, segundo ela, em que, de fato, as fronteiras precisam ser mais porosas e engendrar mais “hibridizações entre os saberes”. No entanto, tal caminho, acrescenta, não significa negar a importância de alguns conhecimentos que têm natureza disciplinar.

“Eu sempre disse que um bom professor precisa entender muito bem a sua área disciplinar para poder trocar, interagir e dialogar com outras áreas”, pondera a coordenadora do Comitê Executivo do Complexo.

Para Carmen, não se trata apenas de uma questão metodológica, mas também epistemológica.

“Acho que é um momento para repensar como se produz leituras de mundo. Isso pode ser importante quando se consegue articular sujeitos que pensem temas a partir de seu olhar disciplinar e das suas questões específicas”, observa.

A pesquisadora, contudo, acredita que o problema maior está na valorização do professor, na forma como ele se relaciona com o conhecimento, que pode ser disciplinar ou dialogar com outras áreas.

“Talvez traga muito mais resultados para a articulação entre fronteiras disciplinares o investimento na formação docente do que mudar propriamente a organização do currículo. É uma questão a ser pensada”, sugere.


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