Grupo de Trabalho na UFRJ discutirá proposta alternativa à reforma do ensino médio

Por Coryntho Baldez

Foto de abertura: Fernando Frazão (Agência Brasil)

O Complexo de Formação de Professores (CFP) participou como convidado da reunião ordinária do Conselho do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), em 17 de abril. O tema central da pauta foi o chamado Novo Ensino Médio (NEM), que, no momento, mobiliza educadores e estudantes de todo o Brasil.

No encontro, que contou com uma exposição da coordenadora do comitê executivo do CFP, Carmen Gabriel, foi decidida a criação de um Grupo de Trabalho (GT) ampliado para discutir uma proposta alternativa à reforma implementada pela medida provisória 746/16 e depois transformada na lei 13.545/17.

Um novo encontro para formalizar o GT será realizado no dia 2 de maio, às 14h, no Salão Nobre do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN), na Cidade Universitária.

Um dos consensos da reunião foi a premência de revogação da atual legislação, cujo aperfeiçoamento, como pretende o Ministério da Educação (MEC), que abriu consulta pública por 90 dias com tal finalidade, foi considerado inviável. O prazo da consulta irá até 6 de junho, com possibilidade de prorrogação

Outro ponto de concordância foi a necessidade de abrir o GT à ampla participação de estudantes e professores da rede básica de ensino e de todos os sujeitos e unidades vinculados à educação da UFRJ.

“Ensino médio precisa de reforma, mas não essa”

Fernando Santoro, professor titular de Filosofia da UFRJ e um dos idealizadores da iniciativa, disse que a reforma extinguiu a obrigatoriedade de disciplinas fundamentais para uma formação cidadã, como filosofia e sociologia.

Outras disciplinas importantes para o letramento científico dos jovens e oferecidas nas licenciaturas da UFRJ, segundo ele, também estão com carga horária insuficiente.

“Essa reforma reduziu a oferta dessas disciplinas para 1.200 horas, praticamente 1/3 da anterior. E os horários retirados das disciplinas para as quais formamos professores de qualidade podem inclusive ser ocupados por leigos. Já vimos isso acontecer na Filosofia”, denunciou.

Atual diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifics) da UFRJ, Santoro considera que, pelo curto prazo da consulta, as entidades ligadas à educação precisam se mover com celeridade. Ele defendeu não apenas a revogação da reforma, mas uma nova política para o segmento.

“Nós sabemos que o ensino médio precisa de melhorias e de reforma, mas não essa. A UFRJ precisa participar desse debate e apresentar uma alternativa”, frisou.

Ele propôs a criação de um Grupo de Trabalho e a elaboração de um documento, a ser encaminhado ao MEC e ao Congresso Nacional, que exponha as falhas do NEM e aponte as diretrizes gerais para um novo quadro normativo.

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Reunião do Conselho do CFCH que propôs ampliar o debate na Universidade sobre o chamado Novo Ensino Médio

“Reforma tem viés antidemocrático”

Em seguida, a professora titular da Faculdade de Educação (FE) da UFRJ e coordenadora do CFP, Carmen Gabriel, afirmou que o Complexo vem pensando sobre a reforma do ensino médio desde agosto de 2021, quando lançou um documento tecendo várias considerações críticas sobre o NEM.

Segundo ela, as licenciaturas de todas as universidades, incluindo a UFRJ, estão sendo afetadas pela reforma, embora a filosofia e a sociologia talvez sintam mais o seu peso porque são mais recentes como disciplinas.

“Essa é uma reforma que reforça demais a desigualdade social no país. Ela tem um viés extremamente antidemocrático em sua concepção. Portanto, não se trata de um problema apenas de implementação”, sustentou.

Para Carmen, outro grave problema do NEM é a desqualificação do professor como profissional devido à possibilidade prevista na reforma de contratação de pessoas ditas de notório saber.

Ela também apontou como prejudicial à formação do estudante a existência de itinerários formativos que estão na lei, mas as escolas não têm condições reais de ofertá-los aos jovens.

Participar da consulta é legitimar a atual lei

Para a pesquisadora, 60 dias para a consulta de uma reforma desse porte é muito pouco e significa, na prática, que o governo não pretende mexer na essência da reforma.

“Isso levará a uma imensa desigualdade educacional e ampliará o fosso social”, asseverou.

Ela argumentou que participar da consulta pública é, de certa forma, legitimar o chamado novo ensino médio, mas reconheceu que os atores vinculados à educação não podem ficar de braços cruzados.

“É importante que a UFRJ, não apenas o Complexo, crie uma agenda política para construir uma proposta para o ensino médio, o que certamente não será uma tarefa fácil”, observou.

A coordenadora da CFP defendeu a necessidade de ouvir os docentes da rede básica no debate sobre o NEM: “Não é a UFRJ que deve dizer como deve ser ou não o ensino médio”.

Um dos princípios do Complexo, acrescentou, é exatamente considerar que os professores da escola pública são artífices e importantes atores no processo de construção de políticas para a educação.

“Interlocutores do governo são da área privada”

Presente à reunião, a diretora da Faculdade de Educação (FE) e integrante da coordenação do CFP, Maria Muanis, lembrou que o espaço político de negociação no âmbito da consulta pública é muito reduzido.

Ela concordou que entrar no debate sobre a melhoria da atual política para o ensino médio é legitimá-la, com o risco de se avançar muito pouco.

Além disso, considerou importante levar em conta, para qualquer decisão, que os interlocutores do governo federal pertencem todos à área privada da educação.

Em face desse cenário, a diretora da FE sugeriu o lançamento de uma campanha com slogans que reafirmem a dimensão pública da educação, como “Escola não é empresa, aluno não é cliente” e “Universalidade e escola pública pensando o ensino médio”.

Maria Muanis reforçou a proposta de construção de uma agenda pública para intensificar o debate em torno de uma nova política para o ensino médio junto à sociedade, com ampla articulação das universidades e das redes públicas.

CAp/UFRJ vê reforma com preocupação

Outra integrante da coordenação do CFP, a vice-diretora do Colégio de Aplicação (CAp/UFRJ), Cristina Miranda, elogiou a iniciativa de intensificar a discussão em torno da lei 13.545/17, com a inclusão de novos atores universitários, como o Complexo.

Ela lembrou que o CFP reúne todas as licenciaturas, a Faculdade de Educação e o CAp/UFRJ. E vem debatendo os rumos da política para o conjunto da educação básica desde 2016.

Segundo a dirigente, o Colégio de Aplicação vê com bastante preocupação o chamado Novo Ensino Médio. “É uma reforma que já está implementada, os professores já sofrem na carne na escola”, frisou.

Ao contrário do CAp/UFRJ, ponderou Cristina, os professores da rede básica não trabalham em regime de dedicação exclusiva e são obrigados a correr de uma escola para outra.

Falta-lhes tempo, portanto, para “criar um momento de debate” e refletir sobre as mudanças prescritas na lei e como implementá-las.

Ela alertou que não é possível fazer nenhum tipo de reforma no ensino médio sem estrutura escolar, como alimentação para os estudantes de ensino integral, um adequado quadro de professores e um plano de cargos e salários.

“Para uma reforma do tamanho necessário, que supere o que vivemos hoje em ralação à evasão escolar, por exemplo, é preciso de um investimento muito maior do que uma maquiagem”, afiançou.

Ela criticou, ainda, o método de implementação da nova legislação, ou seja, por meio de uma medida provisória, “que atropelou os debates que vinham sendo feitos sobre o tema”.

Por fim, Cristina propôs revisitar e retomar as diretrizes para o ensino médio que, lá atrás, foram discutidas de forma democrática no país, fazendo-as avançar para a formulação de uma nova política para este segmento.


Um comentário em “Grupo de Trabalho na UFRJ discutirá proposta alternativa à reforma do ensino médio

  • 26 de abril de 2023 em 22:44
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    Muito potente esse tema!!!

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