Casa Comum valoriza saber do professor e cria ambiente formativo de trocas, diz coordenadora do CFP
Por Coryntho Baldez
Foto: Daniel Gallo
Uma parceria entre o Complexo de Formação de Professores (CFP) e a Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro (SME), o projeto Casa Comum inaugura uma perspectiva de valorização dos professores da rede básica que vai além do sentido meritocrático e produtivista.
Para a coordenadora do Complexo, Carmen Gabriel, o Casa Comum é uma concepção de política pública que reconhece o papel crucial para a formação docente dos saberes profissionais daqueles que exercem o magistério no dia a dia.
“É uma nova forma de olhar esse profissional, a universidade precisa ouvir e aprender com o professor da escola básica. A ideia é sermos parceiros numa mesma aposta, que é a formação de professores no país”, sustenta.
Nesta entrevista, ela afirma ainda que o Casa Comum quer tornar mais institucionalizado o estágio supervisionado, com maior inter-relação entre as escolas, e propiciará a criação de espaços formativos de troca de saberes e experiências entre os sujeitos que atuam na educação básica.
– O projeto Casa Comum pode fortalecer os vínculos para uma ação interinstitucional mais sólida, que produza efeitos positivos de longo prazo para as políticas de formação inicial e continuada de docente no município do Rio de Janeiro?
Carmen – Em termos de política pública, o projeto tem duas características importantes. Uma delas é o dialogo entre duas esferas públicas, a rede municipal e a universidade pública. Isso fortalece a dimensão pública da educação que preconizamos no Complexo. A segunda característica que vale destacar é a possibilidade de valorizar esses profissionais de modo mais permanente, mas não no sentido meritocrático e produtivista. Essa é uma necessidade apontada por várias pesquisas.
– Pode explicar melhor essa ideia?
Carmen – O que queremos valorizar é uma determinada concepção de profissão docente e do que é ser professor. É uma nova forma de olhar esse profissional. A universidade precisa ouvir e aprender com o professor que está no dia a dia da sala de aula exercendo a sua profissão, e não fazendo milagres. É isso que gostaríamos nesse novo ambiente, que o professor se sentisse acolhido pela universidade e que a universidade se sentisse acolhida pela escola. A ideia é sermos parceiros numa mesma aposta, que é a formação de professores no país.
– Além das ações anteriores nas áreas de extensão, ensino e pesquisa, o novo convênio prevê a implementação de redes de prática de ensino e estágio supervisionado e, ainda, a oferta de cursos de especialização lato e stricto sensu. Qual poderá ser o impacto dessas novas ações nas escolas da rede municipal?
– Carmen – O estágio supervisionado já existe em várias universidades públicas e, na UFRJ, é previsto no próprio currículo de licenciaturas. O que a gente pretende fazer é uma institucionalização maior e mais orgânica. Seria importante que os espaços de estágio tenham uma continuidade e uma variação de níveis de formação, ou seja, com oferta tanto para o nível médio como para a educação básica, especialmente no segundo segmento do ensino fundamental.
– Como tornar essa atividade mais orgânica?
– Carmen – Nossa intenção é que possa haver uma inter-relação entre as escolas e que os alunos possam circular nelas. É claro que isso tudo é uma construção e vai depender de um trabalho artesanal. A novidade é tentar articular mais organicamente outros sujeitos que participam de estágios supervisionados, ou seja, professores de prática de ensino e da rede, além dos estudantes. É claro que isso já se faz em muitas licenciaturas, mas são ações mais pontuais, que dependem muito do professor. A ideia é que, a partir do convênio, se consiga estabelecer uma política mais permanente para o estágio supervisionado, crucial para o processo de desenvolvimento profissional.
– E em relação à oferta de cursos de especialização lato e stricto sensu?
– Carmen – A nossa intenção é a seguinte. Normalmente, quando a universidade procura a escola e vice-versa, o que acontece? Ou a universidade está procurando campo de estágio, que é realmente importante, ou os professores da escola querem ter acesso à formação continuada. A nossa ideia é que isso seja oferecido dentro de uma lógica de política pública, não individualista. Ou seja, é necessário identificar quais são as demandas da escola no campo da formação continuada para seus professores.
– Você acha possível construir essa política mais enraizada e coletiva?
– Carmen – Claro que é um direito de cada professor, individualmente, querer fazer um mestrado ou doutorado, mas o Complexo pensa mais em uma política em que os professores façam formação no sentido de permanecerem na educação básica. Logicamente, não é que não possam almejar migrar para o ensino superior, mais do que legítimo. Mas a nossa ideia é pensar uma formação no dia a dia, que pesquise sobre a prática profissional. Queremos desenvolver uma cultura escolar, que é uma forma de estar, olhar e entender o mundo.
– O convênio cita a possibilidade de melhoria dos índices escolares, principalmente do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), a partir da implementação da parceria. Que condições e ferramentas deverão ser forjadas para que isso, de fato, aconteça?
– Carmen – A busca pela valorização prevista no projeto não é para aumentar a nota da escola no Ideb, com foco exclusivo na aprendizagem instrumental do aluno. O que queremos dizer é que a escola não é o lugar onde se ensina alguma coisa a alguém, mas sim um espaço em que o mundo público é apresentado às novas gerações, como assinala Hannah Arendt. O importante é apostar, como faz o projeto Casa Comum, na formação conjunta do professor dentro de comunidades de aprendizagem, ou seja, de ambientes formativos de trocas e compartilhamentos. Esse tipo de abordagem produz efeitos na própria aprendizagem dos estudantes, isto é, são fenômenos inseparáveis, e pode ter como consequência lógica e natural a melhoria do índice das escolas no Ideb.