Seminário das Licenciaturas: UFRJ se mobiliza para discutir reforma curricular e formação docente
Por Coryntho Baldez
Foto: Daniel Gallo
Um encontro histórico na UFRJ, de 3 a 5 de setembro, reuniu diversos atores vinculados à educação para discutir o futuro das licenciaturas e da formação de professores no Rio de Janeiro e no Brasil.
Promovido pelo CFP e pela Pró-Reitoria de Graduação (PR-1) da Universidade, o Seminário das Licenciaturas: Por uma reforma comprometida com a profissão docente lotou o auditório do Parque Tecnológico, na Cidade Universitária.
O ponto de partida para as discussões foi a análise das novas diretrizes curriculares nacionais e suas implicações para a formação inicial de professores, constantes da Resolução CNE nº 4, de 2024.
Participaram do encontro professores, estudantes e coordenadores e vice-coordenadores dos cursos de licenciaturas; coordenadores de Extensão e Estágio; e membros dos Núcleos Docentes Estruturantes e dos Núcleos de Planejamento Pedagógico das Licenciaturas.
Após a cerimônia inicial, cuja mesa reuniu dirigentes institucionais e da área acadêmica, ocorreu a Conferência de Abertura, intitulada Compreendendo os Estudos de Formação Geral na Formação Inicial de Professores.
O expositor foi Julio Emílio Diniz-Pereira, professor titular da Faculdade de Educação (FaE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com mediação de Carmen Gabriel, coordenadora geral do CFP.
Apresentação do professor Júlio Emílio Diniz-Pereira com mediação de Carmen Gabriel, coordenadora geral do CFP
O pesquisador, logo no início da sua fala, parabenizou a UFRJ e o Complexo pela organização do seminário e pelas demais ações em prol da formação de professores da educação básica.
Veja aqui a palestra completa de Diniz-Pereira, que desenvolve pesquisas em políticas públicas e reformas curriculares, entre outros temas, e é doutor em Sociologia do Currículo e da Formação de Professores pela University of Wisconsin-Madison.
O reitor da UFRJ, Roberto Medronho, que prestigiou o seminário, saudou a iniciativa e a considerou “muito importante” para as políticas que a Universidade precisa implementar de mudanças curriculares e de aprimoramento das licenciaturas.
De acordo com o dirigente, é preciso formar cidadãos que levem aos estudantes não apenas conhecimentos, mas também o compromisso com a mudança social: “Assim, a UFRJ estará cumprindo, de fato, a sua missão”.
“Um debate estratégico para refundar as licenciaturas”
Giseli Barreto da Cruz, coordenadora adjunta de Ações de Formação e Pesquisa do CFP, fez um balanço altamente favorável do seminário.
O evento permitiu, disse, que se vivenciasse um “tempo-espaço” extremamente profícuo de debates sobre “a formação docente que almejamos e defendemos para os cursos de licenciatura da UFRJ”.
Segundo ela, o encontro não se limitou a pensar reformas adequadas a determinados textos curriculares e às normas legais sobre como deve ser a organização estrutural e a concepção filosófica da formação inicial, definidas na Resolução do CNE 4/2024.
“O que se buscou no seminário foi discutir que formação de professores nós queremos. Esse é um debate estratégico para refundar as licenciaturas”, enfatizou a pesquisadora, uma das palestrantes e organizadoras do seminário.
Gisele ressalvou, no entanto, que a UFRJ tem tradição na formação de professores e possui unidades e institutos, como a Faculdade de Educação (FE), que são referência em processos formativos educacionais e na produção de conhecimento.
“Portanto, olhar o seminário como um espaço profícuo, que permite pensar e refundar a formação docente, não significa que o que fazemos está ruim. O que a gente quer é se inscrever nesse tempo, no século XXI, que tem outras relações com o conhecimento, as pessoas, o contexto, a realidade”, frisou.
Ela destacou que foram três dias intensos, em que os participantes ficaram imersos numa sucessão de mesas de debates, levantando possibilidades teóricas e metodológicas para construir uma outra epistemologia para a formação de professores.
“Uma epistemologia que articule ensino, pesquisa e extensão, articule escola e universidade e, ainda, as diferentes instâncias universitárias a favor dessa formação”, completou.
No seminário, Giseli fez parte da mesa Conhecendo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores , ao lado de Ana Pires do Prado, coordenadora das Licenciaturas da FE, e de Joaquim da Silva, representante da PR-1 no Complexo.
Subsecretário de Ensino da SME elogia seminário
Integrante da mesa de abertura, o Subsecretário de Ensino da SME, Adriano Giglio, ressaltou a relevância da UFRJ no cenário educacional do Rio de Janeiro e elogiou a iniciativa do seminário.
“A Secretaria Municipal de Educação fica feliz com o evento e a pauta de discussões durante os três dias, com ótimas mesas e profissionais”, enalteceu.
Ele lembrou que a rede básica é uma parceira da UFRJ – “como campo de estágio e de futuro mercado para o exercício profissional dos estudantes” – e disse esperar que, com o aprofundamento dos debates, se consiga construir o melhor cenário para a educação na cidade.
“Magistério deve incorporar lógica do afeto”
Em seguida, a diretora do Colégio de Aplicação (CaP), Cassandra Pontes, disse que o evento era importante para pensar as licenciaturas além dos muros da UFRJ.
Ela reafirmou o compromisso do CaP com os projetos promovidos pelo CFP para atuar na formação inicial e continuada de docentes. Afirmou, ainda, que a unidade estará sempre aberta para atuar nas redes públicas de ensino – “o nosso compromisso primeiro é com o sistema público de educação”.
Ao falar sobre o magistério, citou o trecho de um poema de Cora Coralina: “Há muros que só a paciência derruba e há pontes que só o carinho constrói”.
A partir da reflexão da poeta goiana, sublinhou que quem está no exercício da prática docente ou em atos educativos tem a possibilidade de pensar que, apesar dos muros presentes sociedade, na educação pública e na universidade, “não se pode abrir mão do exercício afetuoso e ético da paciência”.
Para Cassandra, devemos seguir apostando na paciência, na lógica do afeto e na ética amorosa, não como algo romantizado – “como nos traz bel hooks” – mas para construirmos pontes uns com os outros.
“O CaP, como campo de estágio e como parte da Universidade que pensa a educação pública nas dimensões do ensino, pesquisa e extensão, segue com o compromisso ético-político com a hospitalidade nas diferenças”, completou.
“Ser professor é discutir conteúdos e a realidade do país”
Ana Paula, diretora da Faculdade de Educação (FE), partiu da reflexão sobre o que é ser professor em um país como o nosso para iniciar a sua exposição.
“Quantos de nós ao chegarmos hoje aqui nos deparamos com uma operação [policial] se iniciando aqui do lado [no Complexo da Maré]. Nos primeiros sete meses de 2024, a Maré já ficou 30 dias sem aula por conta da violência das operações policiais”, denunciou.
Ser professor, segundo ela, envolve discutir os conteúdos, as questões pedagógicas, mas também atentar para a realidade do país e como estamos inseridos nela.
Para Ana Paula, a FE tem um desafio muito grande porque, à exceção de Macaé, atua em todas as licenciaturas presenciais da UFRJ.
“São várias áreas distintas de conhecimento e milhares de alunos que estão sob nossa responsabilidade, fazendo estágio, pesquisa, extensão”, salientou.
Segundo a diretora da Faculdade de Educação, é necessário pensar “como nos colocamos enquanto professor” e discutir as questões estruturais.
“Hoje, temos mais de 11 milhões de pessoas não alfabetizadas em nosso país e o espaço que ocupa a Educação de Jovens e Adultos [EJA] no Brasil é quase nenhum”, lembrou.
De acordo com Ana Paula, é preciso pensar a formação de professores desde as questões curriculares até o tipo de educação que consideramos importante para a população.
“Conciliar essas duas vertentes é um desafio muito grande e estar em espaços como esse ajudam a gente a pensar e a construir saídas coletivamente”, disse.
“Precisamos construir coletivamente um projeto de política de formação”
Em sua fala na abertura, a coordenadora geral do CFP, Carmen Gabriel, celebrou a realização do seminário e ressaltou que o Complexo vem se articulando para pensar a universidade “no contexto de produção de políticas”.
“O grande diferencial do CFP é ver a universidade também como produtora de políticas públicas”, sublinhou.
Em seguida, ao refletir sobre o lugar do Complexo no processo de formação de professores, disse: “Já apresentei o CFP como projeto, como política, como instância da Universidade, mas acho hoje que ele é, principalmente um movimento”.
Um movimento, segundo ela, com um horizonte de expectativas e de entendimentos sobre o que é docência para a UFRJ, o que é formação de professores e o que é a escola pública e a universidade pública: “Portanto, o Complexo não está pronto, é um processo, uma construção”, realçou.
Para Carmen, o objetivo do seminário é pensar internamente o desafio de construir a reforma curricular das licenciaturas a partir da nova Resolução do CNE.
“No entanto, fazer reforma não é uma disputa de espaço entre disciplinas ou conseguir 10% da carga horária para atividades de extensão”, advertiu.
Fazer reforma, de acordo com a dirigente do CFP, é entender quais são os profissionais que queremos formar e para qual projeto de sociedade queremos contribuir a partir da nossa política de formação de professores.
Nesse seminário, continuou, “estou feliz porque conseguimos reunir aqueles que hoje ocupam lugares de decisão, como coordenadores de licenciaturas, diretores de unidades, coordenadores pedagógicos e coordenadores de estágio”.
Para Carmen, é importante articular essa ampla gama de pessoas vinculadas à formação de professores na UFRJ para pensar coletivamente “um comum” que, efetivamente, possa construir uma reforma curricular que tenha a ver com as nossas concepções de docência.
Com diálogo, críticas e trocas – prosseguiu – será possível enfrentar a reforma curricular e formar profissionais que têm muito a fazer pela sociedade.
Ela citou ainda o projeto Casa Comum, em parceria com a SME, que reúne 12 escolas da rede municipal. É uma iniciativa, disse, em que se busca criar um novo ambiente de formação de professores, a partir de uma articulação mais orgânica entre escola e universidade.
“Espero que consigamos, ao final do seminário, começar a construir coletivamente um projeto de política de formação para essa universidade”, concluiu.
Capes: parceria com o CFP ajuda a aprimorar ações indutoras da formação docente
Em seguida, Márcia Serra Ferreira, diretora de Formação de Professores da Educação Básica da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), disse que um dos desafios da instituição é tornar as ações permanentes.
“A nossa preocupação é fazer com que as nossas ações de fomento se tornem programas institucionais e, para que isso aconteça, precisamos de espaços como o Complexo”, destacou.
As universidades, segundo ela, precisam ter espaços institucionalizados que articulem não somente os cursos, mas também as ações financiadas pela Capes, como o Pibid (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) e a Universidade Aberta do Brasil.
Márcia frisou que a Capes, em alguns dos seus editais, busca parceiros com um nível de institucionalização que propicie melhor interação com as políticas de fomento.
“Por isso, vemos com muita alegria esse movimento do Complexo, reunindo as coordenações e núcleos, buscando pensar uma reforma de forma conjunta”, observou.
Ao lado disso, ressaltou a necessidade de pensar como as ações da Capes são importantes indutoras da formação docente: “E de fato são, pela minha experiência com o Pibid”.
Ela contou que a Coordenação está fazendo um estudo sobre os mais de 15 anos de funcionamento do Pibid e como o programa tem repercutido nos cursos de formação – “não apenas nos indivíduos”.
Segundo a dirigente, é importante que instituições que têm algum espaço institucionalizado, como o CFP, possam ajudar a Capes a melhorar os seus programas.
“Tivemos nos últimos 15 anos uma ação mais ampliada, e agora precisamos ser mais estratégicos para formar o professor que as regiões desse Brasil profundo precisa”, frisou.
Inserção da Extensão nos currículos é discutida desde 2006
Logo depois, Ana Inês Sousa, superintendente de Formação Acadêmica de Extensão da PR-5, disse considerar o seminário um momento especial.
“A Pró-Reitoria de Extensão está trabalhando na questão da inserção curricular há muitos anos. A nossa primeira resolução é de 2013, mas começamos a discutir a implantação da extensão nos currículos desde 2006”, observou.
O objetivo, segundo ela, era atender ao Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001, que já tinha a previsão de inserção de 10% de extensão nos currículos: “E a UFRJ foi a primeira universidade a fazê-lo de forma obrigatória”.
“Considero fundamental esse seminário porque, enfim, vamos conseguir discutir essa questão da inserção com todos os coordenadores de licenciaturas. Afinal, são vocês que trabalham constantemente com os cursos de formação de professores”, comentou.
Ana Inês frisou ainda que a única questão que preocupa na Resolução é a limitação das atividades de extensão à escola.
“Sabemos que existem vários espaços não formais que poderiam também servir de campo de atuação para os alunos e a PR-5 estará sempre aberta para dialogar com os coordenadores de cursos”, afirmou.
Inovação é “sementinha” para permitir educação transformadora
A superintendente geral de Pós-Graduação e Pesquisa da PR-2,Fernanda Mello, considerou o seminário um momento de encontros e de desafios para a formação de professores e o país.
Segundo ela, há desafios ligados às diversidades regionais, ao aprendizado, à capacitação dos docentes e à formação dos estudantes, tendo ainda como pano de fundo as dificuldades socioculturais que permeiam a vida do país.
Para Fernanda, o evento, ao congregar diferentes saberes de dentro e de fora da universidade, proporciona discussões e a construção de ferramentas que empoderam os docentes para lidar com as dificuldades do processo educacional.
“Ao fim e ao cabo, apesar de todos os desafios, o que nos move é a possibilidade de resgatar, de forma democrática, o acesso à educação para toda a população brasileira, em suas diferentes realidades”, destacou.
No que toca à pós-graduação, disse que a pequisa e a inovação podem ser uma “sementinha a ser plantada” para, de forma criativa e democrática, permitir que toda a população tenha acesso a uma educação transformadora.
Integração é importante para reforçar formação docente
Em seguida, Georgia Atella, superintendente de Graduação da PR-1, realçou que as mudanças constantes na legislação de formação provocam dúvidas e inquietações, “mas formar bons professores é absolutamente essencial e estratégico para construirmos o Brasil do futuro”.
Segundo ela, o país precisa de professores bem preparados, tanto em teoria como em prática, que valorizem e apliquem esses conhecimentos em sala de aula.
Para Georgia, espaços como o seminário são fundamentais para que se possa enxergar as experiências de cada curso de licenciatura, do CaP e das escolas da rede.
Ela defendeu a necessidade de identificar o que é comum e o que é diferente em cada um deles e usar esses saberes para melhorar a formação dos estudantes: “A integração entre todas as partes envolvidas na formação docente precisa ser reforçada”.
O seminário, concluiu Georgia, destaca a importância central que a formação de professores tem na missão da UFRJ e no compromisso que temos com o país.
Vice-reitora: “Complexo veio para fortalecer as licenciaturas”
Última a falar, a vice-reitora da UFRJ, Cássia Turci, elogiou a iniciativa do seminário de discutir o currículo das licenciaturas a partir de um compromisso com a valorização da profissão docente.
Para ela, hoje é possível constatar avanços em relação ao que eram as licenciaturas há alguns anos.
“Era difícil sermos recebidos pela Secretaria de Educação, tanto do município como do Estado, e quando isso acontecia as nossas demandas caíam no vazio”, contou.
O Complexo, para a vice-reitora, veio para fortalecer e auxiliar na organização e aprimoramento das licenciaturas.
Ela disse ainda que teve a felicidade de participar, como diretora do Instituto de Química, das discussões com o professor Antônio Nóvoa quando se começou a pensar na criação do Complexo.
Para Cássia, a atuação do CFP – “tão bem conduzido pela professora Carmen e a sua equipe” – mudou e fortaleceu as licenciaturas da UFRJ e as redes de ensino do município e do estado.
A vice-reitora elogiou o material do projeto Casa Comum, a riqueza do seminário e colocou a Reitoria à disposição para participar e ajudar “naquilo que for necessário”.
E concluiu: “Somente com uma educação de qualidade, comprometida e amorosa, como já foi dito, conseguiremos de alguma forma mudar o país”.