“Refundar a formação de professores: uma exigência do século XXI”

Por Coryntho Baldez

Foto Tânia Rego - Agência Brasil

O Complexo de Formação de Professores (CFP) ocupa um lugar estratégico para que a UFRJ promova uma reforma curricular das licenciaturas de forma dialógica e horizontal, afirma Giseli Barreto da Cruz, coordenadora adjunta de Ações de Formação e Pesquisa do CFP.

Nesta entrevista, ela defende a necessidade de refundar a formação de professores em uma perspectiva alinhada com o século XXI, a sociedade e os sujeitos que vivem o tempo presente.

Ao analisar o recente seminário das licenciaturas, realizado de 3 a 5 de setembro, a pesquisadora e professora da Faculdade de Educação (FE) considerou-o estratégico para repensar a estrutura dos cursos da Universidade.

Para Giseli, o CFP é um catalisador desse “movimento” de reforma por ser a instância que articula as políticas institucionais de formação de professores. Porém, ela ressalta que há uma rica tradição da UFRJ no campo da formação docente, a exemplo da Faculdade de Educação, “que se destaca no cenário nacional em relação ao trabalho que realiza”.

De acordo com a dirigente, a reforma não será para preencher ‘quadrinhos’ que organizem os componentes curriculares em função do que apontam as diretrizes da Resolução 4/2024, do Conselho Nacional de Educação (CNE).

“Existe uma série de limites nessa Resolução. A gente acredita que viverá os dois próximos anos de forma a pensar nos cursos de licenciatura numa outra arquitetura”, completou.

Leia a entrevista completa.

Giseli Barreto da Cruz, coordenadora adjunta de Ações de Formação e Pesquisa do CFP. Foto Daniel Gallo.

– Pode-se dizer que o Seminário das Licenciaturas, realizado em setembro deste ano, foi um marco no debate sobre a reforma curricular na UFRJ, especialmente pelo foco na valorização da carreira docente?

Giseli – Sem dúvida, o seminário das licenciaturas foi estratégico, um marco para o processo de repensar os cursos de licenciatura na UFRJ. Foi estratégico pela maneira que foi concebido, pelos participantes e pela adesão. Por três dias, ficamos imersos num espaço com coordenadores de licenciaturas, diretores de unidade, professores, membros dos Núcleos Docentes Estruturantes e das diferentes instâncias do Complexo presentes nos cursos de licenciatura para pensarem essa formação. Contamos com as representações institucionais, como o reitor e a vice-reitora, e acadêmicas, como os pró-reitores de graduação, de pesquisa e de extensão. Isso mostra o compromisso institucional com o momento que a gente está vivendo. O seminário se torna um marco também porque entendemos que esta é uma hora estratégica para refundar a formação de professores da UFRJ em uma perspectiva mais alinhada com o século XXI, com o conhecimento, com a sociedade e com os sujeitos que vivem o tempo presente.

– Após o seminário, é possível vislumbrar desdobramentos que façam avançar reformas curriculares mais coletivas, com base na nova resolução do CNE (4/2024), e que envolvam os vários sujeitos internos que atuam na formação de professores?

Giseli – Estamos mantendo a continuidade das ações em relação à reforma curricular por meio do Fórum das Licenciaturas, que é coordenado pela Pró-reitoria de Graduação, em parceria com o Complexo. É importante situar também que o seminário e o Fórum se colocam como estratégias importantes para esse movimento. Não é em função exclusivamente da Resolução 4/2024, do CNE, mas porque a UFRJ é uma Universidade que está comprometida com a formação de professores. E o CFP se torna um catalisador desse movimento por ser a instância que articula as políticas institucionais de formação de professores. A gente tem uma rica história de tradição com e a favor da formação de professores. A Faculdade de Educação se destaca no cenário nacional em relação ao trabalho que realiza e se destaca internamente. Ela tem uma preocupação com a formação de professores e está pensando como construir o seu projeto de formação para esse tempo.

– Pode detalhar mais esse contexto favorável para o debate sobre um projeto de formação na UFRJ?

Giseli – Na medida em que a gente faz um seminário baseado nessa premissa e articula essa discussão com as instâncias que estão envolvidas, o NPPL, o NDE, os GOPs (Grupos de Orientação Pedagógica), a coordenação de estágio, de extensão, e trazemos “tudo isso” para os fóruns de licenciatura por meio dos coordenadores de cursos que dele participam, o que acontece? Inauguramos um momento estratégico sim, um desdobramento desse seminário a favor de pensar esse movimento. Um movimento que não será de preencher ‘quadrinhos’ que organizem os componentes curriculares em função do que as diretrizes apontam. Estamos para além disso. Existe uma série de limites nessa Resolução, criticamos a concepção de formação de professores que a Resolução 4/2024 apresenta. Mas, com a tradição que temos, a experiência e o nosso pioneirismo, a gente acredita que viverá os dois próximos anos de forma a pensar os cursos de licenciatura numa outra arquitetura. E o mais importante é que nós, formadores, reconheçamos o nosso papel nisso. Se não pensarmos que formação de professores queremos, de nada valerá todo esse esforço que estamos empreendendo e que é apenas o início de um longo processo.

– Nesse debate da reforma curricular, você considera que uma unidade como o Complexo, que se assenta na ideia de integração entre saberes e sujeitos, poderá contribuir para quebrar o isolamento entre si de unidades acadêmicas e de cursos de licenciatura?

Giseli – Porque articula as políticas internas de formação de professores, o Complexo ocupa um lugar estratégico para que a gente possa viver esse movimento de forma dialógica e horizontal. E tentando, o tanto quanto possível, romper com a lógica fragmentária e de dissociação teórico-prática que marca a formação de professores não em nossa instituição, mas na maneira como ela vem sendo concebida historicamente. Temos uma estrutura interna que permite que cada unidade que oferece o curso de licenciatura possa fazer a organização do seu currículo, respeitando os condicionantes e variáveis internas e externas, no caso os textos curriculares orientadores. Mas isso acontece numa aliança coma Faculdade de Educação (FE), visto que existe uma parcela significativa da formação de professores, em cada curso de licenciatura, que a envolve.

– E existem outras possibilidades e formas de se enfrentar essa fragmentação acadêmica?

Giseli – Estamos em um momento em que também temos a oportunidade de articular ainda mais o ensino, a pesquisa e a extensão, por dentro das propostas curriculares das licenciaturas. Aprimorar ainda mais a relação entre universidade, escola, sociedade e comunidade. Em função disso, o Complexo ocupa uma posição estratégica porque ele vai fazendo a orquestração dessa dialogicidade, dessas alianças e conversas que são necessárias. Esse não é um movimento simples, que se institui da noite para o dia. É um movimento contínuo, dialético, com superação de dificuldades e conquistas, mas que exigem recuos. Então, por vezes, a gente caminha, dá alguns passos e tem que recuar um pouco. E nesse ‘continuum’, vamos inaugurando um novo método de lidar com as alianças que são inerentes a esse processo.

– Um método mais adequado ao tempo presente?

Giseli – Entendo que o Complexo é estratégico e vem cumprindo com o seu papel, mas não podemos ignorar o que a UFRJ já fazia no campo da formação de professores, e não era pouca coisa. O que acontecia antes era bom, com todas as idiossincrasias próprias a esse processo. Porém, o tempo que se vive hoje exige que avancemos ainda mais na nossa capacidade de diálogo, de horizontalidade, de interdisciplinaridade e de parcerias, não só entre universidade e escola, mas também com a sociedade e a comunidade. E ter uma instância como o Complexo, politicamente instituída, favorece muitíssimo essa rede.

– E de que forma a atuação do Complexo pode contribuir para a necessária valorização institucional das licenciaturas?

Giseli – É papel do Complexo fomentar um debate sobre as licenciaturas. Mas, para além disso, um debate sobre formação de professores, formação de educadores, formação de profissionais da educação. Por que fomentar esse debate de forma orgânica, coesa e articuladamente construído e institucionalizado? Porque a gente vive um momento de desvalorização desse profissional, de realização do trabalho docente em condições que precarizam não só a sua formação, mas as condições objetivas em que esse trabalho se realiza. Ou seja, em um contexto em que educação é uma mercadoria e a sua formação e o e seu trabalho vêm sendo pensados sob uma ótica mercadológica, em que o lucro é o que conta. E o nosso objeto é o conhecimento, a formação do humano. Nesse sentido, o Complexo tem como missão fomentar esse debate institucional para que as licenciaturas ocupem o lugar de visibilidade, que favoreça atrair novos profissionais. A gente vive um tempo que, em função desse cenário, a profissão é pouco atraente.

– Pode falar um pouco mais sobre essa precarização da profissão e como enfrentá-la nesse debate relativo à formação?

Giseli – Ela tem uma atratividade fácil, mas a partir de um movimento de muita rotatividade. As pessoas entram, mas desistem da carreira com certa facilidade ou não se estabilizam tanto quanto poderiam em função das condições em que o seu trabalho acontece. É algo que precisa ser visibilizado internamente na discussão sobre o que é formar um professor hoje. E isso passa pela própria discussão de quem são os professores formadores de professores na UFRJ. Então, visibilizar a licenciatura para favorecer sua valorização não significa apenas colocá-la num lugar de destaque, com identidade própria, e não como apêndice de um bacharelado. Mais do que isso, é importante colocar em discussão como se forma esse profissional, quem o forma e para que ele se forma nessa sociedade marcada por profundas contradições. Nesse sentido, o Complexo precisa encarar esse desafio e considerar o lugar que ocupa nessa instituição para fomentar esse debate, que está só começando e precisa se desenvolver.

– Como coordenadora das ações de formação e pesquisa do CFP, de que maneira você enxerga a importância delas para a dinâmica de construção do Complexo?

Giseli – A Coordenação Adjunta de Formação e Pesquisa tem a responsabilidade de fazer o meio de campo entre a coordenação que faz as articulações internas e a coordenação que faz as articulações externas. Nesse sentido, a gente trabalha de forma integrada. Não tem como construir um trabalho que não seja pautado pelas mesmas premissas do movimento que o Complexo empreende, que é a dialogicidade, a horizontalidade. Essas três coordenações procuram depreender as necessidade institucionais e aquelas advindas das parcerias que desenvolvemos com as redes públicas de ensino, os movimentos sociais e as organizações não governamentais. Por ora, as parcerias estão muito focadas ainda nas escolas públicas, o nosso alvo principal. A ideia é que possamos, juntos, planejarmos ações de formação e pesquisa que se inscrevam no curso do movimento de formação contínua de desenvolvimento profissional docente.

– E como fazer isso?

Giseli – Isso envolve pensar na formação dos profissionais que trabalham com formação de professores na UFRJ. Então, a gente integra uma comissão, capitaneada pela PR-1, para pensar um programa de desenvolvimento profissional dos professores, não apenas aqueles que chegam na UFRJ como aqueles que constroem a sua carreira aqui. A nossa coordenação tem tentado movimentar, ainda de forma ainda tímida, a cátedra Anísio Teixeira, voltada para a formação de professores. Tivemos uma atividade voltada para inclusão este ano, e pretendemos ampliar as nossas linhas de ação. Mas, sobretudo, o nosso maior desafio agora é trabalhar com as reformas das licenciaturas. Queremos criar situações que possam favorecer o fomento da formação, do desenvolvimento profissional e do desenvolvimento curricular. E sempre pensando de forma que a pesquisa possa ser uma componente, uma condição constitutiva desse processo. A gente entende que a pesquisa na formação de professores ela possibilita a criação de muitas ideias que partem do contexto real, de uma prática reflexiva. Então, são condições que entendemos como imprescindíveis para a formação de um profissional da educação. A nossa Coordenação está muita envolvida com essas frentes.


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