Os desafios da era digital e da IA para a educação e a formação docente

Por Coryntho Baldez

Fonte (foto de abertura): levva.io

A Cátedra Anísio Teixeira de Formação de Professores do CFP promoveu, em 12 de novembro, no Colégio Brasileiro de Altos Estudos (CBAE/UFRJ), no Flamengo, uma mesa-redonda que discutiu como a era digital e a inteligência artificial impactam a sociedade, a educação e a formação docente.

O tema do encontro foi Ensino, Pesquisa e Extensão e os Desafios da Revolução Digital, com palestras de Ana Lucia de Almeida Soutto Mayor, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV – Fiocruz), e Marieta de Moraes Ferreira, do Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS – UFRJ), ambas integrantes do Conselho Consultivo da Cátedra.

“Vivemos num tempo em que somos afetados, no processo de subjetivação, pelo fenômeno que nos acomete desde os anos 1970 e 1980, a transição da era analógica para a digital”, lembrou a coordenadora acadêmica da Cátedra Anísio Teixeira, Giseli Barreto da Cruz, ao abrir o evento.

Após citar estudos que analisam como corporações mercantilizam e sequestram o tempo humano por meio das telas - “a indústria da atenção tornou-se uma força estruturante da economia” –, ela enfatizou que a revolução digital criou outra lógica de vida em sociedade.

“A universidade faz parte desse circuito, desse movimento, e pensar a formação de professores conectada a esse contexto é uma interpelação urgente”, realçou Giseli, que também faz parte da coordenação do CFP.

“Inovação pedagógica é tema secundarizado”

Em sua exposição, a professora Marieta de Moraes Ferreira assinalou que tanto a revolução digital quanto a inteligência artificial podem ser abordadas de diferentes maneiras, mas, como professora e historiadora, optou por fazer uma fala que envolve a área de História e, mais especificamente, o ensino de História.

Depois de citar desafios que antecedem o tema em si do encontro – como a reforma do ensino médio, a reformulação das licenciaturas e como ensinar História na atualidade –, ela disse que a inovação pedagógica é um tema que, com frequência, os historiadores não gostam de abordar.

“Pedagogia, inovação, metodologias são secundarizadas nas licenciaturas em História. Contudo, esses desafios se agravam diante do uso da inteligência artificial, que abre possibilidades, mas também impõe riscos”, advertiu.

Para Marieta, é urgente pensar questões como o lugar da inovação pedagógica, a necessidade de letramento digital, o uso da inteligência artificial e as implicações da pesquisa digital.

A pesquisa digital, de acordo com a docente, muitas vezes direciona estudantes e pesquisadores para determinados caminhos de leitura e interpretação: “Como usar ferramentas como o ChatGPT e outras? Como elaborar prompts adequados? Como usar essas ferramentas de maneira produtiva, e não ingênua?”, indagou.

Mesa do encontro: Giseli Barreto da Cruz (coordenadora); Marieta de Moraes Ferreira e Ana Lucia de Almeida Soutto Mayor (expositoras)

A escolha da palavra na pesquisa digital

A pesquisadora frisou que, gostemos ou não, a inteligência artificial, a revolução tecnológica, os diferentes aplicativos de inteligência artificial estão aí, sendo usados por alunos e professores: “Por isso, devemos estar preparados, não adianta virar as costas. É preciso refletir e criar alternativas”.

A professora titular do Instituto de História da UFRJ defendeu a adoção de novas modalidades pedagógicas e a criação de disciplinas na graduação que enfrentem a nova realidade e que abordem as demandas vindas da sociedade.

“É preciso pensar como produzir conhecimento de maneira ética, com integridade, enfrentando a problemática das invenções e distorções dos dados. Todos esses problemas dizem respeito à nossa área, ao ensino de História, mas também são desafios para as democracias contemporâneas”, acrescentou.

Ela encerrou a fala propondo uma reflexão que evidencia o quanto é desafiadora a relação entre tecnologia e conhecimento histórico.

“Se perguntarmos a uma ferramenta de IA sobre a ‘revolução de 1964’, ela apresentará um conjunto de informações e imagens que frequentemente associam a população ao movimento de 31 de março”, destacou.

No entanto, se a pergunta for sobre o “golpe de 1964”, a resposta será completamente diferente: “Surgem as críticas, a violência, a repressão. A simples escolha das palavras altera profundamente a resposta e essa situação revela muito sobre os desafios que temos diante de nós”, completou

Como os processos de formação são afetados pela revolução digital?

Em seguida, a professora Ana Lucia Soutto Mayor disse que se debruçou sobre a expressão “revolução digital”. Nos dicionários, segundo ela, o termo “revolução” indica uma mudança radical e profunda nas estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais.

“Achei interessante pensar a revolução digital à luz desse bloco semântico: uma mudança abrupta, ainda que já não tão abrupta assim, pois podemos pensar em pelo menos 30 anos de tecnologia digital mais incisiva, talvez até mais”, sublinhou.

Ao mesmo tempo, afirmou que há algo que permanece, embora tenha sido sentido como abrupto e isso já é interessante: “Abrupto para quem? Quem sentiu como abrupto o processo de mudança para um mundo reconfigurado nas lógicas de interação?”.

A pesquisadora disse que fez o mesmo exercício com a palavra “digital” e a primeira expressão que lhe veio foi “impressão digital, que, na verdade, representa o avesso do que ocorre aqui, porque ela funciona como mecanismo de identificação da singularidade da autoria”.

O digital, segundo a professora da EPSJV – Fiocruz, está ligado ao dedo e ao dígito. Porém, na contemporaneidade, segundo ela, o universo digital está ligado à produção de imagens digitais, processos de comunicação digitais e tecnologias digitais, como smartphones, tablets e tantos outros dispositivos.

“A partir disso, comecei a pensar até que ponto os processos de formação e autoformação são afetados pela chamada revolução digital. Não consigo separar formação docente de autoformação, falo de ambas o tempo inteiro”, frisou.

“O processo de formação é intergeracional”

De acordo com Ana Lucia, é necessário refletir sobre os fluxos ligados ao universo digital e suas incidências na formação. Ela citou Hannah Arendt, ao lembrar que os processos de educação e formação humana implicam, necessariamente, um diálogo entre gerações.

“Esse é um ponto rico, pois a formação é, necessariamente, intergeracional e isso pode ser problematizado. Eu comecei dizendo que pertenço a uma geração formada por caneta, papel, giz e quadro. Qual é o impacto disso quando estou formando jovens em 2025?”, questionou.

Ela também lembrou que, ao longo dos seus 26 anos no Colégio de Aplicação, percebeu nitidamente a presença cada vez mais forte do visual. “Nem falo ainda do audiovisual, falo do visual mesmo, dos celulares, dos clipes na televisão, da cultura da imagem”.

Segundo a pesquisadora, a partir dos anos 1990, a visibilidade e a dimensão do olhar ganharam centralidade, com impactos decorrentes da crescente presença do audiovisual e da internet na escola, que conviveram com professores que não foram formados dessa maneira.

O desequilíbrio geracional gerou na pesquisadora a necessidade de refletir sobre o tempo: “Qual o tempo a dedicar às imagens no meu trabalho? Como professora de literatura, sempre precisei trabalhar com imagens da pintura, da fotografia, do cinema, da música, convocando, inclusive, o sentido da escuta”.

Ela lançou ainda outras questões: “Qual o espaço dessas imagens? Qual seu tempo na sala de aula? Qual o tempo da palavra escrita, da palavra falada e da escuta?”.

Ana Lucia fez também uma provocação ao público: como pensar o manejo do tempo de fruição das imagens digitais ao lado da necessidade de tempo de presença, de imersão nas palavras e nas imagens?

“Esse é um grande desafio da formação docente e da autoformação, ou seja, o de lidar com a necessidade de silêncio no processo formativo”, observou.

Para a pesquisadora, essa é uma questão central, ou seja, pensar o tempo na lógica das tecnologias, com a velocidade das imagens visuais e audiovisuais, ao lado da exigência de tempo imersivo nos processos de formação.

“Quando falo em tempo imersivo, falo da leitura de um texto acadêmico, da fruição de um conto, de um poema, da escuta de uma música, da contemplação das artes plásticas, da leitura de um ensaio histórico”, sublinhou.

Para assistir a íntegra das palestras, acesse o canal do CBAE/UFRJ.


Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.